Recentemente, durante um discurso proferido no último domingo, 25, o ex-presidente Jair Bolsonaro solicitou anistia aos réus relacionados aos eventos do 8 de janeiro, quando manifestantes invadiram as sedes dos Três Poderes em Brasília, em um episódio que ficou conhecido como “Dia da Infâmia”.
“É uma anistia para aqueles pobres coitados que estão presos em Brasília. Nós não queremos mais que seus filhos sejam órfãos de pais vivos. Nós já anistiamos no passado quem fez barbaridades no Brasil. Agora pedimos aos 513 deputados, 81 senadores, um projeto de anistia para que seja feita justiça de novo Brasil.”
Diante do clamor, ficou o questionamento: é possível a anistia no caso dos golpistas do 8 de janeiro? Entenda como funciona esta ferramenta legal.
O que é Anistia?
A anistia, prevista no Código Penal, consiste no perdão concedido pelo Estado a um ou mais indivíduos que respondem por crimes na Justiça, resultando na extinção da punibilidade pelo ato praticado.
A anistia se assemelha à graça e ao indulto, pois todos são formas de extinção de punibilidade, conforme o art. 107, II, do CP. Entretanto, se diferenciam-se pois a anistia se caracteriza como uma atribuição do Congresso Nacional, exigindo a aprovação de um projeto de lei nas duas Casas Legislativas, enquanto os demais são concedidos pelo Presidente da República.
Segundo o criminalista Alberto Zacharias Toron, a anistia, etimologicamente, está relacionada ao esquecimento, possibilitando que o anistiado, caso tenha sido condenado anteriormente, retorne à condição de réu primário. Esse instrumento legal é comumente utilizado para perdoar crimes de natureza política, mas não se aplica a todos os tipos de crimes, conforme determina a Constituição Federal.
Veja o trecho:
“XLIII – a lei considerará crimes inafiançáveis e insuscetíveis de graça ou anistia a prática da tortura, o tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins, o terrorismo e os definidos como crimes hediondos, por eles respondendo os mandantes, os executores e os que, podendo evitá-los, se omitirem;”
Aplicação nos Casos do 8 de Janeiro
Até o momento, o STF proferiu condenações contra ao menos 86 réus envolvidos nos eventos antidemocráticos. A maioria dessas condenações refere-se a crimes como associação criminosa armada, atentado contra o Estado Democrático de Direito, tentativa de subverter a ordem constitucional, vandalismo qualificado e danos ao patrimônio histórico tombado.
O advogado Alberto Toron ressalta que os crimes que atentam contra os pilares do Estado Democrático de Direito não estão sujeitos a veto constitucional. Dessa forma, considerando esses delitos, uma lei de anistia poderia ser tecnicamente viável. Entretanto, sua aprovação dependeria significativamente do respaldo político necessário.
Atualmente, há um projeto em tramitação no Senado, o PL 5.064/23, proposto pelo senador Hamilton Mourão, que busca conceder anistia aos envolvidos nos eventos do 8 de janeiro de 2023, excluindo determinados crimes como dano qualificado e associação criminosa.
A História da Anistia
Em 28 de agosto de 1979, o Brasil aprovou a lei 6.683/79, conhecida como Lei da Anistia, que concedeu perdão a crimes políticos cometidos entre setembro de 1961 e agosto de 1979, período marcado pela Ditadura Militar, incluindo também “crimes conexos”. Esta legislação beneficiou milhares de pessoas, abrangendo tanto indivíduos perseguidos pelo regime militar, chamados de “subversivos”, quanto agentes da própria ditadura.
O projeto que deu origem à Lei da Anistia foi redigido pela equipe do general Figueiredo e foi discutido e aprovado pelo Congresso Nacional em um período relativamente curto, de apenas três semanas.
Essa lei desempenhou um papel crucial no processo de redemocratização do país, permitindo que exilados e banidos retornassem ao Brasil, clandestinos deixassem de viver na clandestinidade, e réus tivessem seus processos nos tribunais militares anulados, resultando na libertação de presos de presídios e delegacias.
No entanto, a Lei da Anistia também gerou controvérsias, pois perdoou militares que cometeram abusos em nome do Estado durante o período do regime militar, incluindo casos de tortura e execução de opositores da ditadura. A legislação era propositalmente vaga, utilizando o termo “crimes conexos” para abranger uma ampla gama de delitos relacionados a motivos políticos, o que, na prática, concedeu impunidade a agentes da repressão.
Durante os debates sobre o projeto no Congresso, parlamentares do MDB propuseram emendas para eliminar a exclusão de perdão aos “terroristas” condenados de forma definitiva, buscando uma anistia mais ampla e irrestrita. No entanto, o presidente Figueiredo justificou a não inclusão desses indivíduos no perdão, argumentando que seus crimes não eram estritamente políticos, mas sim contra a humanidade, repelidos pela comunidade universal.
Após a aprovação da Lei da Anistia, a própria ditadura concedeu perdão a alguns presos que não foram beneficiados pela legislação. Alguns receberam o indulto presidencial de Figueiredo, enquanto outros tiveram seus casos revisados pelos tribunais militares.

Conclusão e Fonte
Diante desse contexto, a discussão sobre a anistia aos envolvidos nos eventos do 8 de janeiro ressalta a importância de compreender os limites e as implicações desse instrumento legal, bem como sua relevância no contexto democrático brasileiro.
Em suma, a anistia é um tema complexo que envolve considerações jurídicas, políticas e éticas, e sua aplicação nos casos do 8 de janeiro levanta questionamentos importantes sobre justiça, reconciliação e memória histórica.